Por que a formação em Medicina Veterinária deve ser presencial?
21 de maio de 2025 – Atualizado em 22/05/2025 – 1:16pm
A formação dos novos profissionais da Medicina Veterinária no Brasil encontra-se em um momento muito delicado, com a proliferação de cursos de baixa qualidade, em instituições sem a mínima condição estrutural de suportar uma formação minimamente adequada. Esse cenário se agravou quando foi autorizada a criação de cursos de Medicina Veterinária em EAD. Para se ter uma dimensão da gravidade do problema, estão autorizadas pelo MEC para oferta anual, 87.417 vagas na modalidade presencial (78.733 em andamento e 8.684 não iniciados) e 37.060 vagas na modalidade EaD (14.060 em andamento e 23.000 não iniciados).
Nosso norte de formação profissional está definido nas Diretrizes Curriculares Nacional (DCNs -Resolução nº 3, de 15 de agosto de 2019), recentemente atualiza e aprovada no MEC/CNE/CED. O profissional médico veterinário do nosso tempo precisa ser formado no contexto da Saúde Única e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável(ODS). A saúde única reconhece que é necessária a abordagem integrada que promove a interconexão entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental. As ODS são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.
Exatamente buscando essa formação integrada, generalista, humanista, crítica e reflexiva, as DCNs da Medicina Veterinária preconizam que ocurso deverá se alicerçar em atividades práticas com a indispensável presença de animais para o desenvolvimento de competências e habilidades, focando tanto a cadeia produtiva do agronegócio como a medicina veterinária de animais, requerendo, para tal, uma casuística adequada, incluídas também no estágio supervisionado. O curso deve assegurar, também, a formação de profissional em suas áreas de atuação: saúde animal, saúde pública e saúde ambiental; clínica veterinária; medicina veterinária preventiva; inspeção e tecnologia de produtos de origem animal; zootecnia, produção e reprodução animal, áreas essas que demandam, de forma imprescindível, atividades práticas.
Outro ponto extremamente relevante e incompatível com modelos a distância ou semipresencial, é que a formação do Médico Veterinário incluirá, como etapa integrante da graduação, estágio curricular obrigatório de formação em serviço, em regime intensivo e exclusivo, nos dois últimos semestres do curso, sendo que 50% da carga horária deverá ser desenvolvida em serviços próprios da Instituição de Educação Superior (IES). Importante reforçar que a carga horária teórica não poderá exceder 10% (dez por cento) da carga horária destinada a cada área de estágio, nesses dois últimos semestres.
Não menos importante temos a indicação de que a formação deve ser calcada no desenvolvimento de habilidades e competências, que vão muito além do conhecimento técnico. Essa prática pedagógica depende de aplicação de metodologias ativas, do acompanhamento contínuo de atendimentos ambulatoriais e laboratoriais, de atividades de produção de animais, do desenvolvimento de ações de extensão, de atividades de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico, práticas essas só possíveis de serem realizadas na presencialidade.
Feitas essas considerações parte-se para a análise dos dois documentos publicados hoje.
Considerando o Decreto nº 12.456, de 19 de maio de 2025, dois artigos específicos indicam claramente que a Medicina Veterinária, calcada nas DCNs em vigor, só pode ser ofertada no modelo presencial.
O artigo 11,que trata da graduação semipresencial, no qual a Medicina Veterinária foi enquadrada, diz que poderiam estar previstas 30% (trinta por cento) da carga horária total do curso por meio de atividades presenciais e20% (vinte por cento) da carga horária total do curso em atividades presenciais ou síncronas. Ou seja, 50% da carga horária poderia ser remota, quantitativo que impede o atendimento das nossas DCNs.
O artigo 18,define que o corpo docente poderá ser composto pelas seguintes categorias: coordenador de curso; professor regente e professor conteudista, representa outra incongruência, uma vez que as nossas DCNS não preveem a existência de professor conteudista, pois entende que a prática e a teoria são indissociáveis. O curso deve priorizar estratégias pedagógicas que articulem o saber; o saber fazer e o saber conviver, visando desenvolver o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o aprender a conhecer, que são atributos indispensáveis à formação do médico-veterinário. Mais uma vez reforçando que esse cenário somente poderá ser desenvolvido na presencialidade.
O segundo documento a Portaria MEC nº 378, de 19 de maio de 2025, que dispõe sobre os formatos de oferta dos cursos superiores de graduação, tem no artigo segundo uma ferramenta, que a priori, barraria a existência de cursos nos formatos a distância e semipresencial na Medicina Veterinária:
Art. 2º Os cursos de graduação deverão observar as disposições sobre a carga horária mínima de atividades presenciais ou síncronas mediadas estabelecidas nesta Portaria, aplicáveis às áreas do Manual da Classificação Internacional Normalizada da Educação Adaptada para Cursos de Graduação e Sequenciais – Cine Brasil, considerando inclusive os rótulos, correspondentes a menor unidade de classificação de cursos.
1º As Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN e as disposições do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia – CNCST poderão definir percentuais mínimos de carga horária de atividades presenciais ou síncronas mediadas.
2º Devem prevalecer as previsões específicas de carga horária de atividades presenciais ou síncronas mediadas estabelecidas em DCN e no CNCST, desde que respeitados os percentuais mínimos e vedações previstos nesta Portaria.
3º Os cursos de graduação devem observar as disposições sobre a vedação de oferta em determinados formatos estabelecidas por meio das DCN e do CNCST. Infelizmente sabemos que esse artigo não nos dá o poder de barrar a modalidade semipresencial na Medicina Veterinária, pois as instituições tem judicializado quaisquer ações que não estão claramente delimitadas nas legislações. A exemplo das multas que têm sido aplicadas em diversos conselhos de classe de profissões da saúde que não reconhecem profissionais formados a distância. Outro exemplo é de como o MEC não consegue fazer cumprir sua própria legislação, uma vez que cursos com notas 1 e 2 seguem em funcionamento, bem como a despeito de avaliações contrárias, cursos de péssima qualidade têm sido autorizados a funcionar.
A luta deve prosseguir na perspectiva de garantir, na forma da lei, que os cursos da área da saúde sejam ofertados exclusivamente na forma presencial, que sejam instituídas as provas de certificação profissional e que se consolidem no nosso país sistemas de acreditação de cursos e de certificação de profissionais, semelhante a modelos internacionais.
Comissão Nacional de Ensino da Medicina Veterinária, do Conselho Federal de Medicina Veterinária