A Medicina Veterinária na Saúde Coletiva
11 de junho de 2013 – Atualizado em 11/06/2013 – 12:00am
Dificilmente a sociedade vê a profissão de Médico Veterinário associada à Saúde Coletiva. Apesar de sermos profissionais tanto da área de saúde quanto das agrárias, somos associados, invariavelmente, às áreas agrárias, principalmente no que tange aos cuidados dos animais de produção, e, quando se pensa na área de saúde, à saúde de cães e gatos, sem uma aparente ligação com a saúde humana, tanto no aspecto do indivíduo quanto, e principalmente, no aspecto coletivo ou público.
Os recém-egressos dos cursos de Medicina Veterinária costumam argumentar a sua opção pelo curso por um motivo praticamente unânime: “eu gosto de animais”. É óbvio que ninguém imagina um Médico Veterinário que não goste de animais – apesar de poder existir algum…, entretanto, o fato de escolhermos uma profissão por gostarmos do objeto primário de nossa atenção, não deve obscurecer a nossa perspectiva em relação ao alcance de nossas ações para a sociedade humana. Entendamos que, independente da profissão escolhida, nosso conhecimento posto em prática irá refletir na vida de muitas pessoas, e no caso da Medicina Veterinária, na saúde dessas pessoas, mesmo que elas não tenham muita noção da nossa responsabilidade.
O Médico Veterinário é o maior responsável pela conscientização da população quanto ao seu papel, pois, afinal de contas, quem melhor poderia explicar quais as responsabilidades de uma profissão se não o próprio profissional? Infelizmente não parece ser essa uma realidade. Muitos de nós não se preocupam, ou talvez nem tenham parado para pensar que a mudança de visão de uma sociedade sobre a importância de um profissional, ou melhor, de uma profissão, é capaz de promover uma real valorização desta e, por conseqüência, mais facilmente a sua inserção em vários outros setores, como os que trabalham diretamente com a assistência comunitária, além dos “naturalmente considerados” como os de direito pela sociedade. E eu digo mais, a percepção real pela sociedade da importância do profissional favorece um aumento na remuneração deste ou, pelo menos, um reconhecimento por parte da sociedade que este profissional vale tanto quanto ou mais o custo do seu conhecimento.
Como podemos proceder para permitir essa mudança de visão que, diga-se de passagem, não é apenas do cidadão comum, mas também de muitos que respondem pela administração dessa mesma sociedade e, consequentemente, de como eles pensam quando da contratação de tais ou tais profissionais para determinadas funções? O primeiro passo para essa mudança de perspectiva é mudar o conceito dentro de si. Uma vez que nos convençamos que agimos além do ato clínico ou de produção; que as conseqüências dessas atuações têm reflexos consideráveis na saúde de toda ou pelo menos de boa parte de uma população, ficará mais fácil expormos essa visão àqueles com quem convivemos e interagimos e, principalmente, convencê-los dessa realidade.
Muitos a essa altura do texto podem estar indagando e afirmando: mas nós já atuamos explicitamente na saúde coletiva, somos inspetores sanitários, controlamos zoonoses etc. Mas, infelizmente, não basta estarmos atuando nessas áreas, é necessário que haja maior visibilidade por parte de toda a sociedade para esse fato e, principalmente, da importância disso, pois se fizermos uma enquete entre os cidadãos de qualquer município de nosso Brasil, o percentual daqueles que lembram ou mesmo sabem desse papel do Médico Veterinário, será significativamente pequeno.
Ao escolhermos sermos Médicos Veterinários o fizemos porque gostamos de animais, posteriormente, cursando a faculdade percebemos que precisamos também amar os seres humanos, pois por pior que essa espécie possa nos parecer, somos parte dela e temos todos os seus defeitos e virtudes, sendo responsáveis por tentarmos melhorá-la constantemente. Além disso, por mais que atuemos diretamente com os animais, precisamos do ser humano para intermediar essa ação.
Para os que atuam junto aos animais de produção, chamo a atenção para a conscientização de seu papel como um dos pilares na manutenção de um estado sanitário de rebanhos que são o sustento de várias famílias, direta e indiretamente, e que a ausência dessa condição poderá ser o fator responsável pelo empobrecimento dessas famílias, ou mesmo a perda de seus empregos, gerando sérios problemas de saúde tanto física como psicológica e social. Para aqueles que vêem isso como um exagero, dou como exemplo o surto de febre aftosa ocorrido no Mato Grosso do Sul há poucos anos atrás, onde tivemos vários frigoríficos fechados, milhares de famílias sem emprego e, dezenas de pequenos produtores que tiveram seus animais abatidos, sendo estes a única fonte de renda. Será que tudo isso poderia ter sido evitado? Tenho certeza que sim. Não estou dizendo que os Médicos Veterinários foram os culpados, mas temos a nossa parcela, afinal de contas esse é o profissional que a sociedade paga para manter a saúde de nossos rebanhos.
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/outubro2005/ju307pag03.html
Além disso, esses mesmos Veterinários, ao manter em boas condições sanitárias os plantéis de animais de produção, são responsáveis pelo fornecimento de matéria-prima de boa qualidade sanitária à indústria de alimentos.
Para aqueles que trabalham diretamente com a inspeção sanitária, fiscalizando os alimentos de origem animal tanto in natura quanto os industrializados, o seu papel não precisa ser destrinchado, mas necessita ser exposto continuamente a todos que se utilizam desse serviço. Precisa ser enfatizado a real importância desse profissional que tem a responsabilidade de impedir diretamente a chegada na mesa das pessoas de alimentos que venham a provocar a perda da saúde delas, quando não de suas vidas.
A clínica médica de pequenos animais, que costuma ser a que mais representa a imagem do veterinário para a sociedade urbana, e que no presente absorve o maior número de profissionais da área, e que se ocupam em prevenir e tratar as doenças de cães e gatos; deveria ser vista como uma área muito importante de manutenção da saúde humana. Visto que de forma bastante ampla e, para alguns, até um pouco utópica, a Organização Mundial de Saúde (OMS), considera a saúde como sendo um “Completo Bem-Estar Físico, Mental e Social”, ao tratarmos da saúde de animais que convivem intimamente com famílias, muitas vezes, se não a grande maioria delas, como um membro da família, não permitimos que esse animal seja um potencial transmissor de doenças contagiosas, assim como damos a essa família o conforto e a alegria de ter em seu convívio um ser que fequentemente é o esteio psicológico principalmente para crianças e idosos que encontram nesses animais um amigo e confidente para suas horas de lazer ou solidão.
Espero que essa exposição de pensamentos provoque nos leitores, sejam ou não Médicos Veterinários, uma reflexão sobre o papel desse profissional em nossa sociedade e quem sabe, contribua um pouco com uma mudança daquilo que parece um paradigma: o de que o Médico Veterinário é unicamente o médico de meu animal; e passemos para um conceito um pouco mais amplo: o de que o Médico Veterinário é também o Médico de toda uma sociedade.
Prof. Dr. Sílvio Romero de Oliveira Abreu
CRMV-AL 0413