Lei Estadual nº. 7.633, uma reflexão médico veterinária
30 de junho de 2014 – Atualizado em 30/06/2014 – 12:00am
Nós que fazemos a Comissão de Ética, Bioética e Bem Estar Animal do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Alagoas (CEBEA-CRMV/AL) convidamos a todos para algumas reflexões acerca da temática que abrange a Lei nº. 7.633, de 17 de junho de 2014.
A referida Lei trata da “obrigatoriedade do atendimento veterinário gratuito aos animais da população carente em todo o Estado de Alagoas”.
Em primeiro lugar, gostaríamos de parabenizar ao Governo do Estado pela iniciativa e preocupação com a população animal “guardada” pela população “carente” de Alagoas, muito embora isto não signifique nem que a medida foi acertada, tão pouco que estejamos de acordo com seus termos. Esta não seria e não é, com certeza, nossa indicação para primeira ação a ser tomada em termos de Lei a favor do “Bem Estar Animal” no Estado. Explicaremos o porquê.
Muito poderia ser dito em forma de manifesto contrário ao que impeliu o sancionamento da referida Lei. No entanto, a nós que fazemos a CEBEA-AL cabe apenas, como órgão consultivo que não foi consultado, assim como o CRMV-AL, estimular a população alagoana e o Governo do Estado a refletir em situações e fatores não mencionados, os quais precisam de ampla discussão para o entendimento comum.
Iniciemos então, de forma breve, abordando sobre a questão do BEM ESTAR animal, entendendo que a proposta da Lei está para além do fato relativo às zoonoses. Queremos acreditar que a proposta surgiu, enquanto projeto de Lei, ampliando sua justificativa para questões humanitárias e de Bem Estar envolvendo os animais. Do contrário ela encerra-se em si como uma medida pouco pensada, não discutida a contento e que de forma alguma passará perto de solucionar os problemas vividos no cotidiano de quem “cria animal do jeito que dá”.
O Bem Estar refere-se a condições e características de cada animal individual, e não a algo proporcionado ao animal pelo homem. O que proporcionamos para eles, os animais, pode até aumentar o seu Bem Estar, mas não é o Bem Estar propriamente dito.
Muitos fatores produzem efeitos sobre o Bem Estar e, de fato, doenças e traumatismos estão entre eles, além de procedimentos laboratoriais, médicos e cirúrgicos. No entanto, importa conhecer, e a partir de agora saber, que fome, manejo, transporte, interações sociais e condições de alojamento integram o leque de eventos que interferem no que se chama Bem Estar.
Portanto, assistência médica (veterinária ou não) é uma condição pontual que pode ou não resolver um problema do paciente. Obviamente que também pode aumentar, e da mesma forma diminuir, a “sensação” de Bem Estar do mesmo.
Não é possível definir Bem Estar sem a compreensão de conceitos como: necessidades, liberdades, felicidade, adaptação, controle, capacidade de previsão, sentimentos, sofrimento, dor, ansiedade, medo, tédio, estresse e saúde.
Tudo isto nos leva ao entendimento de que para se ter Bem Estar é necessário que o indivíduo se encontre em condições de manifestar suas características biológicas, em um meio adequado, no qual possa encontrar soluções para os desafios aos quais serão expostos. Diversos órgãos mundo afora utilizam tabelas e critérios para mensurar e classificar Bem Estar animal dentro de uma escala que vai do muito bom ao muito ruim, confirmando que Bem Estar é um conjunto de fatores cuja soma deverá ser mais positiva/favorável que negativa/desfavorável para o animal.
O fato de se ter consulta e cirurgia veterinária gratuita é completamente diferente de se ter ASSISTÊNCIA veterinária gratuita e não significa proporcionar, por si só, Bem Estar, como já podemos perceber. E este termo em destaque “assistência veterinária” tem tudo a ver com outro que destacamos a partir de agora: EDUCAÇÃO.
A população carente (aliás, este termo necessita definição adequada na referida Lei, pois ficam as perguntas: o que caracteriza uma população carente? O tipo de habitação? Condições sanitárias? Faixa salarial?…) esta população carente “indefinida” (seria só ela mesmo?) precisa entender que ao se propor a criar/cuidar de um animal ela precisa se sentir e compreender como cuidadora/guardadora/tutora dos mesmos.
O ato de cuidar de um animal deve trazer consigo a consciência da necessidade de se oferecer a este as condições ambientais, fisiológicas e de interação social que ele precisa para existir enquanto ser. O processo evolutivo da consciência da espécie humana nos mostra todo dia nossa repulsa às crueldades, sejam a seres humanos ou não humanos.
Cuidar de um animal deve extrapolar o sentimento do ter/possuir e vai para além do ter condições de… trata-se também de uma conscientização quanto ao “Quero? Posso? Devo?” Aqui pedimos licença para citarmos Mário Sérgio Cortela: “tem coisa que eu quero, mas não posso. Tem coisa que eu posso, mas não devo. Quando eu tenho a consciência tranquila? Quando aquilo que eu quero é também aquilo que eu posso e que eu devo!”
Também não se pode perder de vista que cada pessoa se relaciona com seu animal de forma peculiar e, portanto, não uniforme na população. É preciso abrir espaço para a compreensão de que para uns o animal é de estimação (um animalzinho que ele gosta de ter e se diverte cuidando), para outros é de companhia (um ser que de alguma forma o completa enquanto personalidade). E ainda existe a situação onde a interação homem-animal é com relação a trabalho ou produção. Mas uma pergunta não quer calar: como uma população carente pode oferecer qualidade de vida para seu animal?
Isto nos chama a mais um destaque famoso no mundo do Bem Estar animal, a GUARDA RESPONSÁVEL.
Sendo bem direto neste ponto: ser responsável por um animal é entender em primeiro lugar que, considerando não que nenhum animal é capaz de responder por seus atos, estes devem ser encarados como “eternas crianças” e, portanto, a responsabilidade por ele é para a vida toda dele!
Muito bem. Precisamos pensar em concluir… e ainda há tanto a ser dito… mas vamos lá! A proposta é de iniciar/desencadear um processo de reflexões e questionamentos.
Pois bem, consultas e cirurgias gratuitas aos animais de população carente em todo Estado… e quem vai acompanhar o “pós-consulta/cirurgia”? Vamos mais para trás… quem e de que forma irá ensinar às populações carentes os conceitos de bem Estar animal? O que dizer, então, sobre saneamento básico, vacinações (aquelas que não são oferecidas nas campanhas públicas), manejo de rejeitos, qualidade de água e alimento? Como a população proporcionará ao animal o que ela mesma não tem para si? Seria certa ou justa esta cobrança? E onde estão as campanhas de controle populacional? E os programas de adoção? Que dizer, então, sobre o registro dos animais? Temos uma diretriz de política animal? Regulamentação para as criações? Onde queremos chegar?
É, meus amigos (como diria Arnaldo Jabor), parece ser mais fácil mesmo o “cuida quando tá doente, que no resto o povo vai se virando” afinal, este tem sido um cenário sociopolítico do brasileiro há décadas…lamentável!
Comissão de Ética, Bioética e Bem-Estar Animal – CEBEA
Méd. Vet. Giulliano Aires Anderlini, CRMV/AL nº 00358 – Presidente
Méd. Vet. Carla Ferreira Loureiro Lima, CRMV/AL nº 00718
Méd. Vet. Elvan Nascimento dos Santos Filho, CRMV/AL nº 00556
Méd. Vet. Gilsan Aparecida de Oliveira, CRMV/AL nº 00655
Zoot. Isaac Ferreira de Lima Filho, CRMV/AL nº 00143